Crise Ambiental ou Crise Civilizatória?
por: José Silva Quintas (UERJ)
Os anos 60 do século passado fazem parte de uma época em que certas verdades, consideradas até então indiscutíveis, foram postas em dúvida e algumas, simplesmente, desmentidas. Uma das mais caras, que vem sendo negada cada vez mais pelos fatos, era a crença de que a humanidade teria ingressado numa fase áurea da sua existência, em que as velhas mazelas, que historicamente vêm atormentando a existência dos seres humanos, teriam seus dias contados. Assim, acabar com a fome, as doenças, a miséria, a guerra e outros males seria uma questão de tempo. E tudo isto num prazo razoavelmente curto. Finalmente, estaríamos no limiar da concretização da grande promessa da modernidade [1] , de que a ciência e a tecnologia nos libertariam das limitações impostas pela natureza e, assim, seríamos felizes para sempre. Afinal, como afirmou Descartes (1596 a 1650), um dos protagonistas da revolução científica europeia no século XVII, na sua obra Discurso do método (Descartes, 1989, p. 79), “conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres [técnicas artesanais] de nossos artífices, poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são adequados, e, assim, tornar-nos como que senhores e possuidores da natureza ( … )”, os humanos inventariam “uma infinidade de artifícios [aplicações da ciência], que permitiriam gozar, sem qualquer custo, os frutos da terra e todas as comodidades que nela se encontram”… (grifos meus). Assim, por meio do conhecimento científico e sua aplicação prática, os humanos dominariam a natureza, tornar-se-iam seu dono, adquirindo, assim, o direito de usufruir dela “sem qualquer custo”. Mas não seria qualquer humano o senhor e possuidor da natureza. A história da expansão colonial mostra que este deveria ser branco, europeu ocidental, cristão e pertencente à aristocracia ou à ascendente burguesia que, a partir do seu protagonismo cada vez maior na economia, gradativamente ocupava o espaço político na sociedade pela força do capital. Ao nativo da América, África, Ásia e Oceania, considerados incivilizados (leia-se não europeu), restou como alternativa ao extermínio puro e simples, em maior ou menor grau, a submissão aos colonizadores e a aceitação do saque e da destruição dos seus recursos naturais. E dessa forma, os padrões da civilização europeia foram impostos a ferro e fogo às demais regiões do planeta, criando uma ordem social injusta e ambientalmente irresponsável, sustentada pela exploração da maioria por uma minoria e pelo uso intensivo e predatório dos recursos naturais do planeta. Decorridos quase quatrocentos anos da afirmação de Descartes, a existência da vida humana no Planeta está em risco e “a infinidade de artifícios que permitiriam [à humanidade] gozar os frutos da terra e todas as comodidades que nela se encontram” ficou restrita a uma pequena parcela da população terrestre. Apesar de a tecnologia viabilizar safras cada vez maiores, a fome continua persistindo no mundo. Apesar das novas descobertas científicas no campo da biologia, das novas tecnologias para tratamento médico, o número de novas doenças tem aumentado constantemente, tornando real a ameaça de pandemias. A destruição de florestas, a erosão de solos agricultáveis, pela exploração intensiva, a contaminação de mares, rios, lagos e águas subterrâneas, a poluição do ar e a extinção de espécies estão cada vez mais aceleradas. E como parte de tudo isto, a Terra está sofrendo um processo de aquecimento global com implicações bastante sombrias para a maioria dos seres humanos e outras espécies, mesmo quando se admite cenários mais otimistas de mudanças no clima, para os próximos anos. Hoje somente vozes isoladas, ainda, contestam o processo de aquecimento global do planeta, decorrente da alta concentração de dióxido de carbono (C02) e de outros gases estufa, na atmosfera terrestre. Segundo as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, 2007), as perspectivas da humanidade para os próximos cem anos estão entre o pior e o menos pior. Tudo indica que o mundo da abundância e da felicidade, previsto pela modernidade eurocêntrica, está se revelando cada vez mais uma espécie de conto de fadas com final desastroso.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2002), 20% do contingente mais rico da população mundial é responsável por 86% de todo consumo privado, enquanto os 20% mais’ pobres consomem apenas 5%. Segundo esta mesma fonte, a pegada ecológica [2] mundial cresceu de 1970 a 1996, aumentando de 11 bilhões para mais de 16 bilhões de unidades de área.
Nesse mesmo período, a pegada média mundial ficou estabilizada em 2,85 unidades per capita, o que demonstra a existência de uma distribuição diferenciada da pressão humana sobre os ecossistemas do globo. Analisando o significado deste fato, no contexto das relações de poder, Porto-Gonçalves observa que: a manutenção dessa pegada ecológica média global abriga dentro de si a colonialidade de poder que a sustenta. Vejamos: na África a pegada ecológica de 1,5 hectare pouco ultrapassa a metade da média mundial (2,85 hectares); na Ásia e no Pacífico, a pegada ecológica sequer alcança 1,8 hectare; na América Latina e no Caribe, no Oriente Médio e na Ásia Central ela gira em torno da média mundial; na Europa Central e Oriental a pegada ecológica se aproxima de 5 hectares; na Europa Ocidental chega a 6 hectares ou seja 210% da média mundial e, nos EUA, corresponde a 12 hectares per capita, isto é, 425% a média mundial. Isso significa que um americano médio equivale, em termos de impacto sobre o planeta, a cerca de 10 africanos ou asiáticos! (Porto-Gonçalves, 2006, p. 42) Para o mesmo autor, quando se sabe que 20% dos habitantes mais ricos do planeta consomem 80% das matérias-primas e energia produzidas anualmente, nos vemos diante de um modelo-limite. Afinal, seriam necessários cinco planetas para oferecermos a todos os habitantes da Terra o atual estilo de vida vivido pelos ricos dos países ricos e pelos ricos dos países pobres que, em boa parte, é pretendido por aqueles que não partilham esse estilo de vida. E, assim, vemos, não é a população pobre que está colocando o planeta e a humanidade em risco, como insinua o discurso malthusiano ( … ).
Assim, a promessa moderna de que os homens e mulheres, sendo iguais por princípio, sejam iguais na prática, não pode concretamente ser realizada se a referência de estilo de vida para essa igualdade for o “american way life”. Mais do que nunca vemos que a modernidade é colonial, não só na medida em que não pode universalizar seu estilo de vida, mas, também, pelo modo como, pela colonização de corações e mentes, procura instilar a ideia de que é desejável e, mais ainda, [possível] todos se europeizarem e se americanizarem. Entretanto, este estilo de vida só pode existir se for para uma pequena parcela da humanidade sendo, assim, na sua essência injusto. (Ibidem, p. 71; grifos meus)
Se há a necessidade de cinco planetas para tornar acessível a todos os habitantes o estilo de vida de uma minoria, e se existe apenas um disponível, pode-se concluir que a permanência de tal padrão dependerá, cada vez mais, tanto da manutenção das injustiças e das desigualdades sociais quanto da sobre-exploração dos recursos ambientais. Assim, este padrão de produção e consumo, social e historicamente construído com base numa relação de dominação da natureza por seres humanos e de humanos por outros humanos, tem como premissas estruturantes a desigualdade, a injustiça e a utilização intensiva e ilimitada dos recursos naturais. Um padrão decorrente de um modo de produção, o capitalista, em que a racionalidade do mercado prevalece sobre todas as demais. Em que a obsolescência planejada de bens industrializados é uma das estratégias centrais do processo de produção e consumo (Packard, 1965). Esse padrão não respeita os diferentes tempos, seja o da natureza, seja dos povos com sua diversidade cultural. Portanto, é um estilo de vida oligárquico (restrito a poucos) decorrente de uma sociedade estruturada com pouca ou nenhuma perspectiva de sustentabilidade, se pensada como um processo com múltiplas dimensões interdependentes, tanto no plano do meio social quanto do físico-natural (Sachs, 2002). Por outro lado, se avaliada segundo critérios éticos, essa ordem social não atende às necessidades fundamentais da maioria da população no presente e ameaça a sobrevivência da humanidade no futuro. A grande quantidade de dados científicos sobre o estado do ambiente no planeta sinaliza que a crise ambiental é a evidência de uma crise maior e mais profunda.
Nessa perspectiva, o problema está na ordem social vigente, que para garantir um determinado estilo de vida para uns poucos, tem necessariamente que destruir aceleradamente a base material de sustentação da população e condenar a maioria à pobreza, quando não à indigência. Em outras palavras, é a sociedade que está em crise. Os danos e riscos ambientais decorrem de uma determinada ordem social, que se constituiu, historicamente, e se mantém por meio de relações de dominação seja da natureza por seres humanos, seja de humanos por outros humanos. Outra visão, principalmente de setores dominantes da economia mundial (grandes empresas nacionais e transnacionais) e da maioria dos governos dos Estados Nacionais, assume que não há uma relação de causalidade entre a crise ambiental e o modo como a sociedade está estruturada. Sendo assim, o problema não estaria no caráter intrinsecamente insustentável desta sociedade, mas no seu aperfeiçoamento, que pode ser obtido tornando o atual padrão de produção e consumo sustentável. Para isto, bastaria a adoção de tecnologias e práticas ambientalmente saudáveis (o uso de energia limpa, conservação de energia, extensão do ciclo de vida de equipamentos, infraestrutura e edificações, combate ao desperdício, reciclagem e reutilização de recursos ambientais, tratamento de efluentes, destinação adequada de resíduos etc.) para se atingir a ecoeficiência e a produtividade dos recursos. Portanto, apostando-se no que Ignacy Sachs denomina de otimismo epistemológico, crença em que “soluções técnicas sempre poderiam ser concebidas para garantir a continuidade do progresso material das sociedades humanas” (Sachs, 2002, p. 51), segundo o autor, “muito popular entre políticos de direita e de esquerda” no período preparatório da Conferência de Estocolmo. É no contexto da crise que surgem as conferências internacionais [3], numa tentativa de os países membros da ONU negociarem uma agenda de compromissos, para lidarem com os chamados problemas ambientais globais de modo articulado. Com esta perspectiva são assinadas as duas principais convenções internacionais: a de Mudanças Climáticas e a da Proteção da Biodiversidade durante a Rio-92. Também é neste processo que surge a proposta de desenvolvimento sustentável, cuja finalidade seria de compatibilizar desenvolvimento econômico com proteção ambiental. Entendido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46), o conceito de desenvolvimento sustentável tem sua institucionalização consolidada na Rio-92. A partir deste momento, o desenvolvimento sustentável passa a fazer parte do discurso oficial de agências internacionais, governos, entidades empresariais (ambientalismo de mercado) e até mesmo de certas ONGs ambientalistas, que por este viés se distinguem das entidades da sociedade civil do campo socioambiental. Esta institucionalização tem sido avaliada” como resultado de uma operação diplomática, ideológica e social de grande envergadura em que a questão que orientava o debate nos anos 1970 [contradição entre desenvolvimento e proteção ambiental] (…) encontrou uma ‘solução’: desenvolvimento e meio ambiente não são contraditórios” (Nobre, 2002, p. 71). Talvez por isto, seja considerado como um conceito” deliberadamente vago e inerentemente contraditório” (O’Riordan, 1993, apud Nobre, 2002, p. 44) e lhe atribuam inúmeros significados, como registra Carvalho (1992). Nesta conjuntura não houve espaço para nenhuma outra proposta, mesmo para aquelas estruturadas no marco da economia capitalista. A proposição de “um outro desenvolvimento, endógeno (em oposição à transposição mimética de paradigmas alienígenas), autossuficiente (em vez de dependente), orientado para necessidades (em lugar de direcionado pelo mercado), em harmonia com a natureza e aberto às mudança institucionais” (Sachs, 2002, p. 53), que segundo o autor, adota “o paradigma do caminho do meio” [nem desenvolvimento a qualquer custo nem crescimento econômico zero], que emergiu de Founex [4] e do encontro de Estocolmo” e poderia ser chamado de ecodesenvolvimento, não foi aceita. E, certamente, não foi por uma questão de nomenclatura que a proposta de ecodesenvolvimento foi rechaçada na Rio-92. Ao se caracterizar como endógeno, autossuficiente e orientado para necessidades de harmonia com a natureza e abertura para mudanças institucionais, o eco desenvolvimento entrou em choque frontal com o que Porto-
Gonçalves (2006) denomina de “sistema-mundo-moderno-colonial”. Para um sistema cuja existência se funda na dominação (da natureza, de pobres por ricos, da maioria pela minoria), no desrespeito à diferença, na concentração de poder, na acumulação de riquezas por poucos e na ascendência do mercado sobre o Estado e a sociedade civil, pensar a possibilidade de construção de outra ordem social com tais características, mesmo que se mantenha leal ao modo de produção capitalista, seria a negação do credo neoliberal e, portanto, do pensamento único. Talvez a razão de todas as razões para a derrota do ecodesenvolvimento esteja na constatação de Ignacy Sachs, um dos seus maiores defensores, de que (…) o desenvolvimento sustentável [ecodesenvolvimento] é, evidentemente, incompatível com o jogo sem restrições das forças de mercado. Os mercados são por demais míopes para transcender os curtos prazos (Deepak Nayyar) e cegos para quaisquer considerações que não sejam lucros e eficiência smithiniana de alocação de recursos (Sachs, 2002, p. 55). A partir de como a crise ambiental é analisada, em linhas gerais, pode-se identificar duas grandes tendências para o seu enfrentamento. Uma delas assume que é possível reverter a atual situação de crise adotando-~e o desenvolvimento sustentável como princípio estruturante do processo de desenvolvimento. Assim, por meio de ajustes nos processos de funcionamento desta sociedade se compatibilizaria o desenvolvimento com a proteção ambiental, sem alterações significativas na sua estrutura. Desta forma haverá mitigação dos impactos ambientais e redução da injustiça e da desigualdade social. Algo como reformar o mundo para torná-lo sustentável. Entretanto, os dados recentes sobre o estado do meio ambiente e das desigualdades sociais no planeta, publicados pelo PNUMA, PNUD, Banco Mundial e Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, apresentam um agravamento da situação tanto sob o ponto de vista ambiental quanto social, indicando, na prática, a ineficácia da via reformista que vem sendo consagrada nos acordos, conferências e agendas internacionais. Segundo o PNUD (2007), no período 1990-2004, portanto com a Convenção de Mudanças Climáticas já assinada desde 1992, a taxa de emissão global de dióxido de carbono (C02) cresceu 28%, e a dos Estados Unidos atingiu 20,9% do total, em 2004, apesar de o país possuir apenas 6% da população terrestre. A outra tendência, de visão transformadora, assume que as raízes da crise estão no padrão civilizatório eurocêntrico, portador da ideia de progresso imposto aos povos do planeta, pela colonização. a ideia de desenvolvimento sintetiza melhor que qualquer outra o projeto civilizatório que, tanto pela via liberal e capitalista, como pela via social-democrata e socialista [5] , a Europa Ocidental acreditou poder universalizar-se.
Desenvolvimento é o nome-síntese da ideia de dominação da natureza. Afinal, ser desenvolvido é ser urbano, é ser industrializado, enfim é ser tudo aquilo que nos afaste da natureza e que nos coloque diante de constructos humanos, como a cidade, como a indústria. Assim, a crítica à ideia de desenvolvimento [6] exigia que se imaginasse outras perspectivas que não as liberais ou socialistas ou, pelo menos, que essas se libertassem do desenvolvimentismo que as atravessava. (Porto-Gonçalves, 2006, p. 62) Ainda para o autor, é a partir do Renascimento, com seu antropocentrismo, que o homem se torna Todo-Poderoso e passa a se lançar no projeto de dominação da natureza. Para dominar, manipular, submeter, chega-se mesmo a falar em torturar, como fez Francis Bacon. Expulso o sagrado da natureza, esta passa a ser vista como objeto, como recurso. O homem descola-se da natureza e, de fora, passa a dominá-la ( … ). Um homem desnaturalizado e uma natureza desumanizada, eis o ponto de partida do pensamento/sentimento/ação do mundo moderno. (PortoGonçalves, 2002, p. 27)
Entretanto, a desnaturalização de ser humano implicou, também, a sua desumanização, por uma minoria da própria espécie. Como alerta Porto-Gonçalves (ibidem), existe uma armadilha neste paradigma que elude a sua dimensão política: é que ao falar de dominação da natureza, tendo de antemão dela excluído o homem [também natureza], deixamos de observar que o projeto de dominação da natureza implica o trabalho, como elemento necessário desse empreendimento. E o processo de trabalho, implica um conjunto de energias físicas e intelectuais ( … ). É neste contexto histórico que surge a exploração da maioria de humanos por uma minoria e, consequentemente, a desigualdade e a injustiça social tão marcantes nos dias atuais. Nesta perspectiva, a crise ambiental é apenas a face visível, “a ponta do iceberg” de uma crise maior: a de uma concepção de civilização. Uma concepção que ao separar o ser humano da natureza fez dela um outro a ser dominado (Porto-Gonçalves, 2002), para usá-la como fonte inesgotável de matéria-prima e depósito de resíduos. Para aqueles que têm este entendimento, não há como se construir uma ordem social sustentável, que seja justa e ambientalmente segura, sem o rompimento com a matriz de racionalidades que produziu a crise. Portanto, uma proposta que é inconciliável com a concepção de Desenvolvimento Sustentável e está além do paradigma do caminho do meio. Para esta perspectiva há-que se reinventar o mundo para torná-lo sustentável. Ou seja, uma nova utopia se faz necessária, que no entender de Boaventura Sousa Santos” é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar” (Sousa Santos, 1996, p. 323). Como afirma Porto-Gonçalves: tudo nos concita a buscar outra relação da sociedade com a natureza, onde a justiça social e a sustentabilidade ecológica se façam por meio da liberdade, onde todos tenham direitos iguais para afirmarem sua diferença. Que a diversidade biológica e a cultural na igualdade e na diferença, sejam vistas como os maiores patrimônios da humanidade. (Porto-Gonçalves, 2006, p. 458) Certamente está aí a utopia que este momento histórico, como bem diz o referido autor, “nos concita a buscar”.
Uma sociedade planetária justa, democrática e sustentável constituída pela pluralidade e diversidade de sociedades sustentáveis. O que não será fácil, a construção de um futuro sustentável necessitará das riquezas disponíveis na natureza e das produzidas pelo trabalho humano, que no presente estão nas mãos de poucos. Por isto, esta construção é antes de tudo um problema político.
Por outro lado, não se pode perder de vista que, seja apostando-se na reforma da sociedade atual ou na sua transformação, as intervenções no plano prático, para superação da crise e seus resultados, serão necessariamente processuais.
A busca da ecoeficiência, do aumento da produtividade dos recursos e a aplicação dos instrumentos de gestão ambiental pública como suporte ao processo são imprescindíveis, seja para manutenção do status quo, seja para transformá-lo. No caso da perspectiva transformadora, avalia-se que essas práticas são necessárias mas não suficientes. O que distinguirá uma postura da outra será a finalidade das intervenções. Se elas serão realizadas com o propósito de reformar a sociedade atual, mantendo seus estruturantes, ou de construir outra em que a justiça social, a democracia e a segurança ambiental sejam premissas fundantes.
Notas: 1 – Segundo Carvalho (2004, p. 93, apud
Loureiro, 2006, p. 128), “momento civilizatório que se inicia no século XV e compreende um conjuntos de transformações relacionadas a aspectos culturais e artísticos (o Renascimento), políticos (o surgimento do Estado-Nação), econômicos (o mercantilismo e posteriormente o capitalismo industrial) e filosóficos (o surgimento do pensamento científico), cuja influência se estende até nossos dias”. 2 – De acordo com o PNUMA (2002, p. 38), “as pegadas ecológicas são uma estimativa da pressão humana sobre os ecossistemas mundiais, expressas em ‘unidades de área’. Cada unidade corresponde ao número de hectares de terras biologicamente produtivas necessárias para produzir alimento e madeira necessários ao consumo humano e a infraestrutura utilizada nessa produção e para absorver o CO2 produzido pela queima de combustíveis fósseis; em seguida, leva em consideração o impacto total causado ao meio ambiente. A pegada ecológica mundial é uma função do tamanho da população, do consumo de recursos e da intensidade de recursos utilizada pela tecnologia empregada.” 3 – Estocolmo (1972), Rio-92, Rio+5, Rio+10, Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade (várias), Conferências das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas (Kioto, Bali, Poznan e futuramente, Copenhague) etc. 4 – Encontro realizado em 1971 quê precedeu a Conferência de Estocolmo de 1972, promovido pelos seus organizadores. 5 – Segundo o autor, “um socialismo que também permanece produtivista, com sua ideia de oferecer para todos aquilo que o capitalismo oferecia somente para alguns. É conhecida a proposta do secretário geral do Partido Comunista francês, George Marchais, de que todos tinham direito ao automóvel, o que, na verdade, longe do socialismo, só nos levaria todos ao congestionamento” (ibidem). N.A. Nesta mesma obra, Carlos Walter alerta para a crítica de Marx ao Programa de Gotha, elaborado durante o Congresso de Gotha (1875) que criou o Partido Social-Democrata alemão, em que ele afirma que” a riqueza é o produto do trabalho e da natureza e que se o trabalho é o pai, a natureza é a mãe na produção de riquezas” (ver p. 126). 6 – N.A. O texto refere-se às críticas dos ambientalistas nos anos 1960-70, que continuam mais do que nunca atualíssimas (ver p. 61).